Como foi a vossa trajectória para conseguirem entrar no mercado publicitário?


(Carlota) Não estudei publicidade, mas tive algumas cadeiras de criatividade e comecei a perceber que era onde eu me esforçava mais.
Todo o meu curso era muito prático e técnico, mas vi ali um oportunidade para crescer em termos de skills e ir desenvolvendo a criatividade fora da faculdade (nos New Blood Awards da vida, por exemplo). No meu caso, tive muita sorte quando estava na reta final do curso e vi uma vaga para direção de arte na Fuel e decidi tentar a minha sorte, mesmo que na altura não acreditasse que fosse dar em algo.

(Maria) Sinto que ter tido um estágio no final do meu curso me fez cresce de imediato. Já sabia que queria ir para uma agência, mas ainda não tinha tido nenhum contacto com uma. O que aconteceu no meu último semestre e se prolongou até hoje. Senti que, por acaso tive sorte de já ter um portfólio por causa do meu estágio, mas que é muito difícil entrar no mercado publicitário. Especialmente com boas condições. Tive a sorte de começar no grupo Publicis, onde fiz trabalhos sem escala de júnior ou sénior e que me fez crescer bastante enquanto publicitária.



Acham que as agências devem disponibilizar ajuda financeira e flexibilidade de horários para que as duplas juniores consigam concorrer a concursos e afins.


C: Mil vezes sim. Muitos concursos são pagos e bem pagos, então coloca muita gente em pé de desigualdade. E a questão da flexibilidade de
horário também, porque o trabalho da agência não pára e é difícil conseguir gerir tudo. Felizmente, no meu percurso, tive sorte de estar e agências que sempre me deram esse incentivo e pude participar sem problemas.

M: Acho que sim, mas acho que a ajuda financeira e flexibilidade de horários não são os fatores essenciais. Na realidade, a distribuição de bons briefings dentro da agência é essencial para que estas duplas possam ter bom trabalho, e real, no portfólio que os permita ser selecionados na hora de concorrer. E, para além das agências, também as universidades deveriam apoiar ainda mais os seus jovens e, pelo menos, dar-lhes a conhecer os concursos de estudantes que existem.



Sendo uma dupla de mulheres alguma vez na vossa carreira sentiram alguma dificuldade adicional ou discriminação?


C: A desigualdade está muito entranhada na nossa indústria, porque não vês muitas mulheres criativas, muito menos diretoras criativas ou CCOs.Os teus role models não passam tanto por mulheres e às vezes isso é frustrante. Nunca sofri uma discriminação per se, mas sinto dificuldade em ser ouvida numa sala de homens, seja porque não falas alto ou não interrompes outros.

M: Pessoalmente sinto que é sempre mais fácil os homens se tornarem grandes amigos dos chefes (quase todos homens) do que nós mulheres. O que depois, infelizmente, se manifesta numa dificuldade de separar a amizade do trabalho. Isto e claro o facto de muitas vezes a nossa palavra ser menos valorizada e ouvida do que a do homem presente na reunião. Mas acho que esta discriminação parte também do cliente. Já fiz uma campanha de futebol onde ouvi o cliente dizer “se calhar é melhor ver com alguém que perceba do assunto”, quando eu percebo de futebol.

Quais são os maiores desafios de ser uma dupla júnior em Portugal?


C:
Os salários? Parece-me que é a resposta mais óbvia a isto. No meu caso,tive a oportunidade de estar em sítios onde confiaram muito em mim desde cedo e me deram muita responsabilidade, mesmo nos projetos maiores. Não tive o sentimento de só fazer coisas pequenas ou não poder estar nos grandes projetos, grandes produções, e por aí fora.

Além disso, a questão da saúde mental que parece ficar para segundo plano quando estamos sempre a tentar dar tudo, a fazer noitadas e, quando damos conta, não cuidamos de nós. Porque é muito fácil deixarmos de pensar na nossa saúde mental quando o foco está quas todo no trabalho, na indústria, em crescer e em fazer mais e melhor.

M: Sou sincera, vejo-me mais uma dupla júnior porque começou há pouco tempo a trabalhar com a Carlota, do que propriamente pelo nosso trabalho. Felizmente tivemos em agências que distribuíam os briefings por toda a gente e não por ser sénior ou júnior. Mas, neste momento, sinto que há uma constante vontade de provar que temos talento e que somos capazes de melhorar o mercado publicitário.

 Que conselhos querem passar a outras duplas nos primeiros anos de carreira?


C:
Fazer, fazer e fazer. É importante participar em concursos, dar-nos a conhecer à indústria, aproveitar oportunidades de eventos que vão acontecendo ao longo do ano (como é o caso da Semana Criativa de Lisboa, o CCP, entre outros). Mas essencialmente acho importante participar em coisas fora da agência, porque é aí que não temos diretor criativo e temos de nos desafiar mais a nível de critério.

M: Leiam, façam cursos, procurem e vejam muitas referências. Escolher os livros certos ajuda-nos a entender a nossa área como um todo, os cursos vão sempre abrir os nossos horizontes em alguma coisa, a pesquisa dá-nos insights que não aparecem por milagre e as referências ensinam-nos muito. Quanto mais referências tivermos de campanhas que ganharam festivais, melhor vai ser o nosso critério, o nosso craft, tudo.

 Que conselhos querem passar aos directores criativos em Portugal?


C: Olharem bem para as equipas e para os jovens que têm nelas. Estar atento ao crescimento de cada um, à forma mais saudável de dar apoio e principalmente estar atento a sinais de desgaste. Porque ser diretor criativo não é só no lado profissional, mas também reconhecer o lado humano de cada pessoa na equipa. E por alguma razão quando se é júnior acaba-se a ser moldado pelos nossos diretores criativos.

M: Não sei como funcionam todas as agências do mercado português, mas acho que deviam dar oportunidade a todas as duplas que têm de pegar
num bom briefing. Perceberem que as subscrições de determinados site da nossa área são essenciais para ajudar a melhorar a criatividade portuguesa.

Existe pressão para saírem de Portugal para conseguirem subir na carreira? Sentem que é uma decisão que têm de tomar?


C: Sempre tive essa ideia na cabeça, especialmente quando comecei. À medida que fui crescendo também me fui apercebendo dos budgets curtos, dos clientes mais receosos de arriscar, de ver referências lá de fora e ficar absolutamente impressionada e pensar “eu também quero fazer isto”. Acho que é um sentimento inevitável de se ter quando somos apaixonados pela profissão e vemos que nos “cortam as asas”.

M: Sim. Sinto que neste mercado é muito difícil afirmarmo-nos numa agência sem mudar de agência. E, claro, em termos monetários também é completamente diferente pedir um salário tendo apenas trabalhado cá ou pedir um tendo trabalhado no estrangeiro.

Quais são as metas e planos para o futuro?


(Maria e Carlota) Continuar a fazer bom trabalho, com pouco. Que é a realidade em Portugal. E, claro, ganhar prémios. Não sendo estes um objetivo, mas sim um resultado do bom trabalho que queremos fazer. Isto, e claro, quem sabe ir conhecer o mundo da publicidade além-fronteiras.