Os Argentinos são bons em filme, os Zucas em craft e os Tugas? Qual é o USP do criativo português?
Não sei se temos um USP mas se tivéssemos uma imagem enquanto colectivo lá fora, como têm os argentinos e os brasileiros, já seria muito bom. Sem nunca ter trabalhado lá fora e correndo o risco de estar errada, diria que somos conhecidos por sermos desenrascados. Por conseguirmos fazer muito com pouco. Somos práticos e sabemos improvisar como ninguém. O desenrascanço tão típico dos portugueses pode ser resultado de termos poucos recursos à nossa disposição ou mesmo até, quem sabe, desconfio eu, da nossa preguiça. A preguiça é muito amiga da criatividade. Se não fosse a preguiça nunca ninguém teria inventado a roda, o elevador, o telefone. E vamos ser honestos, nós somos preguiçosos. Quero acreditar que somos preguiçosos no bom sentido, no sentido de que sabemos o que é bom na vida e gostamos de aproveitar o país que temos. E nada alimenta mais a criatividade do que ter uma vida cheia de coisas boas, para estar sempre a encher o saco das referências e dos insights.
The Argentinians are good at TVCs, the Brazilians in craft, what about the Portuguese? What is our USP?
I don't know if we have a USP but if we had an image as a collective abroad, as the Argentines and Brazilians have, it would already be very good. Without ever having worked abroad and at the risk of being wrong, I would say that we are known for being problem-solvers. Because we can do a lot with little. We are practical and we know how to improvise like no one else. The “thinking on our feet” so typical of the Portuguese may be the result of having few resources at our disposal or even, who knows, I suspect, of our laziness. Laziness is a great friend of creativity. If it weren't for laziness, nobody would have ever invented the wheel, the elevator, the telephone. And let's be honest, we are lazy. I want to believe that we are lazy in the right way, in the sense that we know what is good in life and like to enjoy the country we have. And nothing feeds creativity more than having a life full of good things, to fill up our luggage of references and insights.
Qual é a tua campanha/ideia Portuguesa preferida?
Menos ais. Só o nome da campanha já é brilhante, não é? Menos ais. Já se passaram quase duas décadas e ainda me aquece o coração ouvir aquele hino. Tão português, tão esperançoso, tão cheio de insight, tão magistralmente escrito. Foi literalmente combustível para as massas. A BBDO e a Galp no seu melhor. Há tantas campanhas portuguesas boas, mas como esta foi a primeira de que me lembrei, se é top of mind, merece ser a minha resposta.
What’s your favourite Portuguese idea/campaign?
"Menos ais" (which would translate to “less but’s and if’s”). The name of the campaign is already brilliant, isn't it? Menos ais. It has been almost two decades and it still warms my heart to hear that anthem. So Portuguese, so hopeful, so full of insights, so masterfully written. It was literally fuel for the masses. BBDO and Galp at their best. There are so many good Portuguese campaigns, but as this was the first one I remembered, if it’s top of mind, it deserves to be my answer.
Com quem gostarias de trabalhar um dia? (Nome Português)
Ao longo da minha carreira tive a sorte de trabalhar com algumas das pessoas mais talentosas do mercado português. É claro que há pessoas com quem não trabalhei e que considero muito, deixo aqui uma lista? Ok, aqui vai: Judite Mota, Mafalda Quintela, André Moreira, Paulo Martins, Hugo Veiga, João Coutinho, Ivo Purvis, e há muitos mais.
Who would you like to work with one day?
Throughout my career I have been fortunate to work with some of the most talented people in the Portuguese market. Of course, there are people I haven't worked with and that I highly consider, should I leave a list here? Ok, here it goes: Judite Mota, Mafalda Quintela, André Moreira, Paulo Martins, Hugo Veiga, João Coutinho, Ivo Purvis, and there are many more.
Que marcas portuguesas admiras pela sua comunicação?
Marca portuguesa? Que tal Portugal? Admiro o trabalho que a Partners fez para o Turismo de Portugal nos últimos anos. É consistente, inteligente e relevante. Faz-nos parecer mais bonitos, maiores e melhores.
Which portuguese brands do you admire for its advertising?
A Portuguese brand? How about Portugal? I admire the work that Partners has done for Turismo de Portugal in recent years. It is consistent, intelligent and relevant. It makes us look beautiful, bigger and better.
Que marca Portuguesa gostavas de mudar?
Esta pergunta é complicada. Se responder sinceramente, das duas uma: ou ofendo algum colega ou corro o risco de parecer que me estou a fazer a alguma marca com a qual não trabalho. Não é justo, vocês são chatas. Já para não falar que mudar uma marca é sempre um esforço conjunto, entre cliente e agência. Gosto de acreditar que nos 8 anos que trabalhei o Continente conseguimos mudar a marca para melhor. Quanto mais não seja, valeu só por ter tido a oportunidade de ouvir o meu pai gabar-se à senhora da caixa, no supermercado: foi a minha filha que inventou esta frase (O que rende é ir ao Continente). Consegui fugir à questão? Boa.
Which Portuguese brand would you like to change?
This is a tricky question. If I answer honestly, I'll either offend a colleague or run the risk of looking like I'm teasing a brand to work with me. It is not fair, you girls are a pain in the ass. Not to mention that changing a brand is always a joint effort, between client and agency. I like to believe that in the 8 years I worked for Continente we managed to change the brand for the better. If nothing else, it was worth it just because I had the opportunity to hear my father bragging to the cashier at the supermarket: it was my daughter who invented this phrase (O que rende é ir ao Continente). Did I manage to dodge the question? Great.
O que mudarias no mercado de trabalho Português?
Acredito que o segredo para melhorar um mercado reside na relação agência-cliente. É preciso recuperar a confiança na criatividade como forma de resolver problemas. É preciso que os clientes comprem criatividade. É preciso que as agências vendam criatividade. Assim tão simples. Portanto, a minha resposta é: mudava a relação agência-cliente. Queria que os clientes confiassem tanto em nós como confiam nos seus dentistas.
What would you like to change in the Portuguese ad scene?
I believe that the secret to improving a market lies in the agency-client relationship. It is necessary to regain confidence in creativity as a way of solving problems. Clients need to buy creativity. Agencies need to sell creativity. That simple. So my answer is: to change the agency-client relationship. I would like clients to trust us as much as they trust their dentists.
O que falta para tornar o mercado criativo Português mais global?
Um dos principais problemas, na minha opinião, é o tempo. Ou melhor, a falta dele.
E isto reflete-se em várias fases da vida de uma ideia.
Podemos começar pelo início: o tempo para escavar. Não temos. É tudo para ontem.
Depois passamos para o tempo para aprimorar. Não temos. A reunião é amanhã.
O tempo para produzir? A arte final tem de sair na terça. O filme tem de estar pronto daqui a duas semanas.
E se uma boa ideia, por algum milagre, sobrevive a tudo isto e consegue chegar a um festival... Não há tempo para dedicar ao case. Nos últimos dois festivais do CCP ouvi vários jurados queixarem-se do mesmo: viram ideias boas mas muito mal amanhadas, perdoem-me o francês. Nós temos boas ideias. Ideias de nível internacional. Mas ter uma boa ideia não basta. Para ela viajar lá para fora, é preciso vesti-la bem. Fazer um bom case. Um não. Vários. Vários bons cases consoante as categorias. E nós não guardamos tempo para isso. Já começamos a ver melhorias, mas ainda há muito trabalho a fazer aqui.
É um hábito muito português, na minha opinião, o ficar pela rama, ficar a meio caminho. Somos peritos em ficar a meio caminho. A não lutar pela ideia até ao fim. Às vezes temos uma boa ideia e na ânsia de pô-la na rua fazemos compromissos que não devíamos fazer: uma produção mais manhosa que estraga tudo, um prazo esmagado que não nos deixa ir mais longe, uma campanha que pedia várias execuções só que só deu tempo para aquele post mas “vá, é melhor do que nada”. Somos todos culpados deste crime contra as nossas boas ideias, tanto as agências como os clientes. Para sermos um mercado mais global temos de parar de morrer na praia. E nem estou a falar de Cannes, estou mesmo a falar da Caparica.
What’s needed to make the Portuguese creative market more global?
One of the main problems, in my opinion, is time. Or better put, the lack of it.
And this gets reflected in all the different stages of an idea's life.
We can start at the beginning: We don’t have the time to dig. Everything’s for yesterday.
Moving on to the time to craft. We don’t have it. The meeting is tomorrow.
The time to produce? The final piece has to come out on Tuesday. The film must be ready in two weeks.
And if a good idea, by miracle, survives all this and manages to reach a festival ... There is no time to do a proper case study. In the last two CCP festivals I heard several jurors complain about the same: they saw good ideas but very poorly crafted. We have good ideas. World-class ideas. But having a good idea is not enough. For the idea to travel abroad, it must be well dressed. Have a good case. Not one. Several. Several good cases depending on the categories. And we don't save time for that. We’ve started to see improvements, but there is still a lot of work to do.
It’s a very Portuguese habit, in my opinion, to only go halfway. Not to fight for the idea until the end. Sometimes we have a good idea and in our eagerness to put it out on the street we make commitments that we shouldn't: a slyer production that spoils everything, a crushed deadline that doesn't let us go any further, a campaign that called for several executions but only gave time for a social media post but “it's better than nothing”. We are all guilty of this crime against our good ideas, both agencies and clients. For us to become a more global market we have to stop “dying on the beach”. And I'm not even talking about Cannes, I'm talking about Caparica.
And this gets reflected in all the different stages of an idea's life.
We can start at the beginning: We don’t have the time to dig. Everything’s for yesterday.
Moving on to the time to craft. We don’t have it. The meeting is tomorrow.
The time to produce? The final piece has to come out on Tuesday. The film must be ready in two weeks.
And if a good idea, by miracle, survives all this and manages to reach a festival ... There is no time to do a proper case study. In the last two CCP festivals I heard several jurors complain about the same: they saw good ideas but very poorly crafted. We have good ideas. World-class ideas. But having a good idea is not enough. For the idea to travel abroad, it must be well dressed. Have a good case. Not one. Several. Several good cases depending on the categories. And we don't save time for that. We’ve started to see improvements, but there is still a lot of work to do.
It’s a very Portuguese habit, in my opinion, to only go halfway. Not to fight for the idea until the end. Sometimes we have a good idea and in our eagerness to put it out on the street we make commitments that we shouldn't: a slyer production that spoils everything, a crushed deadline that doesn't let us go any further, a campaign that called for several executions but only gave time for a social media post but “it's better than nothing”. We are all guilty of this crime against our good ideas, both agencies and clients. For us to become a more global market we have to stop “dying on the beach”. And I'm not even talking about Cannes, I'm talking about Caparica.
O que achas que podemos fazer para trazermos mais mulheres para a indústria publicitária portuguesa?
Já perdi muitas horas a pensar nisto, como devem imaginar, ou não tivesse eu um pipi entre as pernas. Viram o que fiz aqui? Não tive vergonha de falar das minhas partes privadas. Acho que este é um dos problemas: a vergonha. A vergonha é inimiga das ideias. E as mulheres são mais envergonhadas do que os homens. Talvez porque sempre nos foi incutida esta ideia de que temos de ser recatadas, uma senhora não diz asneiras, uma senhora não fala assim, uma senhora não chama a atenção para si, uma senhora não levanta ondas. Crescemos a ouvir isto, eu cresci a ouvir isto. Quando dei por mim num departamento criativo só com homens, percebi que era a única que tinha este entrave gigante. Houve todo um trabalho que tive de fazer para me livrar destes preconceitos, um trabalho que nenhum homem tem de fazer. Mas isto é só o início.
No outro dia, em conversa com um amigo director criativo, tive uma pequena epifania. Falávamos sobre o facto de haver tão poucas mulheres directoras criativas no mercado. O número é ridículo, nem enche duas mãos. E ele dizia: mas será que há assim tantas mulheres boas o suficiente para serem directoras criativas? Pensei durante dois segundos e respondi, um pouco em fúria: e há assim tantos homens bons o suficiente para serem directores criativos? Ele riu-se e concordou de imediato. Às mulheres, não é permitido falhar tanto como aos homens. Uma mulher para chegar a um cargo de topo tem de ser “mais” do que um homem. Muito mais talentosa. Muito mais calma. Muito mais ponderada. Muito mais criativa. Muito mais, muito mais, muito mais. Tem de merecer cada centímetro do cargo. E atenção, é assim que deve ser. Mas é assim que deve ser para todos os géneros, não só para um. Se na nossa indústria, exigíssemos tanto aos homens como exigimos às mulheres, estaríamos muito melhor, o que responde também às duas últimas perguntas.
What needs to be done to bring more women to the portuguese advertising industry?
I’ve spent many hours thinking about this, as you might imagine, it’s not like I don’t have a vagina between my legs. Did you see what I did there? I wasn’t ashamed to talk about my private parts. I think this is one of the problems: shame. Shame is the enemy of ideas. And women are more ashamed than men. Perhaps because we have always been instilled in this idea that we have to be modest, a lady does not say nonsense, a lady doesn’t speak like that, a lady does not draw attention to herself, a lady does not raise waves. We grew up listening to this, I grew up listening to this. When I found myself in a creative department with only men, I realized that I was the only one with this giant obstacle. There was a lot of work that I had to do to get rid of these prejudices, a job that no man has to do. But this is only the beginning.
The other day, in a conversation with a friend who’s a creative director, I had a little epiphany. We talked about the fact that there are so few female creative directors on the market. The number is ridiculous, it doesn’t even fill two hands. And he said: but are there many women good enough to be creative directors? I thought for two seconds and replied, a little furiously: and are there so many men good enough to be creative directors? He laughed and immediately agreed. Women are not allowed to fail as much as men. A woman to reach a top position has to be "more" than a man. Much more talented. Much calmer. Much more thoughtful. Much more creative. Much more, much more, much more. She has to earn every inch of the job. And this is how it should be. But this is how it should be for all genders, not just one. If in our industry, we demanded from men as much as we demanded from women, we would be much better, which also answers to the two previous questions.